"Tarde de terror". "Pânico na praia". “Milhares de pessoas em fuga”. "Centenas de indivíduos, em bandos, começaram de repente a assaltar e a agredir os banhistas". Foi com estas expressões que os telejornais abriram em uníssono a edição de 10 de junho de 2005. No dia seguinte, a mesma história estava impressa em todos os jornais.
O "arrastão" revelou-se a maior operação de manipulação da opinião pública de que há memória, articulada pela PSP de Lisboa com a conivência dos jornalistas, que se limitaram a ouvir a sua versão dos acontecimentos: "uma onda de criminalidade", levada a cabo por "cerca de 500 indivíduos negros", recorrendo ao método "conhecido como arrastão".
Na verdade, foi a entrada de dezenas de polícias no areal de Carcavelos, empunhando shotguns e bastões, que levou centenas de jovens e famílias inteiras a fugirem do local onde se encontravam em busca de segurança. Mas foi preciso esperar um mês para que a direcção nacional da PSP e o governo admitissem que não houve arrastão nem qualquer queixa apresentada por roubo.
O documentário "Era Uma Vez um Arrastão" (em baixo), realizado por Diana Andringa – e que devia ser de visionamento obrigatório em qualquer escola de jornalismo –, explica como foi possível montar um embuste mediático com efeitos poderosíssimos. Ao ponto de, passados cinco anos, ainda muitos acreditarem na história do arrastão que viram na tv. "Os jornalistas erraram e não pediram desculpa", lembrou Joaquim Fidalgo num debate sobre o caso, um ano depois.
Nos últimos tempos assistimos ao regresso em força da liberdade criativa dos responsáveis da PSP lisboeta para criar histórias mirabolantes que justifiquem atropelos aos direitos dos cidadãos. E é o Diário de Notícias que tem oferecido as suas páginas aos delírios policiais que fazem doextremismo ou terrorismo de esquerda o novo inimigo a temer. A falta de terroristas reais é um pormenor que não incomoda os autores da tese, até porque se resolve facilmente com a criminalização do protesto social, habilmente preparada junto da opinião pública pelos jornalistas mais à mão.
Foi assim que a violenta carga policial após a manif de 25 de abril de 2007 na Rua do Carmo se transformou, no jornal dirigido por João Marcelino, numa resposta à "acção directa com tácticas hostis pouco vistas em território nacional". E que a brutal agressão policial na madrugada de 30 de junho a cinco jovens no Bairro Alto foi divulgada como "uma emboscada de grupos radicais à polícia" e até catalogada de "guerrilha urbana" pelo presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo.
Os casos pontuais de sindicalistas processados por se manifestarem contra o governo ou de activistas políticos julgados por fazerem propaganda do seu partido ajudam a preparar o terreno e a alimentar a vontade destes "responsáveis pela segurança interna" em avançar na criminalização do protesto social. Num ano em que as vítimas da austeridade vão sofrer os efeitos das políticas combinadas entre Sócrates e Passos Coelho, o autoritarismo social está aí. À espreita de novos arrastões.
Artigo de Luís Branco também publicado aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário